Vanessa Marques
2 min readFeb 1, 2020

“Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros; mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me.”

Minha primeira leitura de 2020 foi o clássico de Machado de Assis. Em vários momentos eu me senti como o Bentinho, atraída por alguém que transformou-se numa onda batendo, que puxou-me pra dentro do seu turbilhão e depois expulsou-me, devolveu-me para a areia, quebrada, revirada. Assim como Bentinho, Eu também desisti do seminário por uma paixão, no meu caso o seminário equivale a uma vida reta e disciplinada, onde você tem um rumo e sabe pra onde olhar. Troquei isso por mergulhar naquela luzinha irresistível, tal qual os insetos. Foi isso que eu e o Bento fizemos.Talvez nós sofremos da mesma confusão dos insetos que voam pra luz artificial, perdem o rumo da Lua verdadeira e caem bobos em uma armadilha.

Mas convenhamos, aquela luz é tão irresistível. Eu poderia me enganar e dizer: Ah! Se eu soubesse o desfecho final nunca teria embarcado nessa viagem. Que bobagem, ainda que eu pudesse prever o futuro, aquele mar de ressaca era tudo o que eu queria. Teria feito mil vezes, mesmo se pudesse voltar ao passado e consertar tudo. O mar é assim, indomável, profundo, revolto, selvagem, perigoso, pode nos refrescar e purificar com sua água, mas também pode nos machucar. Esse é o preço. Uma vida segura mas sem o mergulho, quem faria essa escolha?

Eu tive os meus olhos de ressaca. Eu posso ter sido os olhos de resseca de alguém.

Restam-me dois caminhos; virar o Dom Casmurro, amargurado, teimoso e pessimista, ou sair desse belo caixote rindo e agradecer por poder ter este banho de mar.

Se quiser, eu te conto a minha escolha; É fácil ser feliz.

Vanessa Marques

Arquiteta e urbanista. Curiosa. Múltiplos interesses. Escrevendo pra tentar não enlouquecer.